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“Os contos Zen são pequenas histórias, algumas vezes até de caráter cômico, mas que sempre trazem consigo uma importante lição de vida[1]”. E este aconteceu comigo…
Era a primeira vez que estava participando de um Seminário fora do Estado. Estava atenta e aberta ao aprendizado e sentindo uma imensa responsabilidade em demonstrar toda técnica e comportamento que se espera de uma Shodan.
Ao final do treino estava exausta, mas feliz com a certeza de não ter feito “feio”. Chegou a noite e, como de costume, o jantar com o Shihan convidado, o Sensei anfitrião, o meu Sensei e vários dos participantes.
Diante da mesa enorme reservada em um restaurante chinês, sentamos… Cardápios devidamente distribuídos e com eles o grande e irritante dilema: O que pedir já que sou ovo-lacto-vegetariana? Para minha sorte havia como opção um yakissoba vegetariano. Foi então que o Sensei anfitrião perguntou se eu poderia dividir o pedido com o Shihan.
– Hai Sensei!
Imagine o inflar do meu ego? O Shihan seria também vegetariano? Eu não era mais o único ET ali, o Shihan estava comigo, uma honra!
Pedido feito, chegou o garçom com a travessa fumegante. Aproximando-se do Shihan para servi-lo, este, então, apontou para que eu fosse servida primeiro. Foi então que, para uma tímida, o pior aconteceu: todos os olhares voltaram-se para mim – não só por se tratar de uma indicação do Shihan como por ser o primeiro prato a chegar numa mesa de famintos. Essa era a hora de mostrar a etiqueta! Agradecida, voltei-me para o Shihan e disse-lhe:
– Primeiro o senhor!
O garçom retornou ao Shihan que sorriu para mim e pediu para que eu fosse a primeira a ser servida. Não me recordo quantas vezes fizermos esse “ping-pong”. Decidida, voltei-me com energia para o pobre garçom:
– Sirva-o primeiro, pois ele é o Sensei!
Pelo recuo do rapaz tenho certeza que utilizei meu olhar e minha voz de comando devidamente aprendidos em 10 anos de pratica em outra arte marcial. De pronto ele largou a travessa ao lado do Shihan e saiu rapidamente. O Shihan fitou-me mais uma vez, sorriu e agradeceu com um sinal positivo com a cabeça.
Vencia então o “combate”. Orgulhosa e convicta de que tinha acertado a origem do movimento: o garçom. Consegui assim colocar em prática a etiqueta para com o Shihan demonstrando toda a minha disponibilidade em servi-lo perante todos os aikidokas, Senpais e Senseis presentes.
Pacientemente esperei o Shihan, que se servia calmamente… acho que não estava com muita fome… Olhei para ele quando acreditei que tinha terminado. O mesmo olhou para mim, sorriu novamente e, ao invés de passar a travessa, passou-me o prato servido por ele.
Não teve “ukemi” que disfarçasse tamanha vergonha… TODOS gargalharam com a cena e até hoje estou digerindo este yakissoba…
– Quantas vezes impomos uma técnica ao uke? Estamos realmente nos harmonizando com ele ou impondo nossa “gentileza”?
– Quantas vezes buscamos a mão ou braço do uke convictos que estamos indo à origem do movimento?
– Faço a técnica por senti-la ou para demonstrá-la?
– O que é a real gentileza, harmonia, amor? O que é o AI?
Enfim, essas são algumas das perguntas que venho “digerindo” desde o acontecido e divido-as com vocês. Talvez nunca encontre as respostas. Não importa. O que importa é que a busca por elas tem me acompanhado e modificado a cada dia a minha movimentação e as minhas atitudes.
Este ano irei novamente acompanhar Sensei James Araújo ao mesmo Seminário em João Pessoa/PB organizado pelo Sensei Rogério Paodjuenas, ministrado pelo mesmo Shihan Edgardo Novelino… Qual será o prato do dia?
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Domo Arigato Gozaimashita!
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Referências:
[1] http://www.osamurai.xpg.com.br/contos.htm
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*Cristiana Barbosa (CrisB) – Designer Gráfico – Nidan da Academia Central de Aikidô de Natal
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Texto lindíssimo e, como sempre, carregado de sensibilidade.
Muita honra tê-la como minha Sensei.
Domo Arigato Gozaimashita, Sensei!!!
sensei Vinicius e Cris B, tomei a liberdade de replicar o texto no Blog Aikido potiguar.
Texto muito bom, excelente experiência!
[…] mar e pensando: “Cara, to ficando doido, Aikido e mar? Nada haver.” E então lembrei do último texto da nossa querida CrisB analisando a gentileza do Aikido em um jantar de Yakissoba e vi que os princípios são aplicados em […]
Muito bom, Cris. Bacana ver que permanecem seu humor inteligente e sua dedicação ao aprendizado do Aikido. Saudade da ACAN…
Saudade de você Silvia Senpai! Grande abraço.
Cristiana, tomei conhecimento sobre vc através de Alessandro Nóbrega, de Santa Cruz. Falava eu com ele sobre veganismo – prática à qual aderi há dois dias. E ele me falou de você. Lí seu conto e quero que me oriente nesse início de mudanças tão drásticas. Também não quero ser um ET em minha cidadezinha. rsrsrs
kkkk já estás facebookiado! Mas sou apenas ovo-lacto-vegetariana. Vegan é um nível mais avançado rsrs game over para mim…
Grande Cris B. Excelente texto e nos leva realmente a reflexão. Parabéns pelo texto e pela nidanização. Bj
Querido Odorico San, o aikido está em tudo não é mesmo? Saudades.
Ótimo texto. Obrigado por compartilhar.
Domo Arigato Gozaimashita!
Excelente texto, obrigado por compartilhar essa experiência.
Obrigada a você Pedro San pela atenção.
Simplesmente fantastico Sensei Cris !!!!!!!!! Reflexoes como essa me emocionam. Parabens e muito obrigado !!!!!!!
Grata por sua sensibilidade Eduardo San. Beijão!
Muito legal o texto. Meus parabéns a Cristiana Barbosa por Tê-lo escrito e agradeço por ter compartilhado a experiência.
Caro Sensei Antonio, é capaz de você ter a foto deste jantar rsrsr. Domo arigato gozaimashita!