Henka Waza de um Yakissoba – Por Cristiana Barbosa (CrisB)*

*

Os contos Zen são pequenas histórias, algumas vezes até de caráter cômico, mas que sempre trazem consigo uma importante lição de vida[1]”. E este aconteceu comigo…

Era a primeira vez que estava participando de um Seminário fora do Estado. Estava atenta e aberta ao aprendizado e sentindo uma imensa responsabilidade em demonstrar toda técnica e comportamento que se espera de uma Shodan.

Ao final do treino estava exausta, mas feliz com a certeza de não ter feito “feio”. Chegou a noite e, como de costume, o jantar com o Shihan convidado, o Sensei anfitrião, o meu Sensei e vários dos participantes.

Diante da mesa enorme reservada em um restaurante chinês, sentamos… Cardápios devidamente distribuídos e com eles o grande e irritante dilema: O que pedir já que sou ovo-lacto-vegetariana? Para minha sorte havia como opção um yakissoba vegetariano. Foi então que o Sensei anfitrião perguntou se eu poderia dividir o pedido com o Shihan.

– Hai Sensei!

Imagine o inflar do meu ego? O Shihan seria também vegetariano? Eu não era mais o único ET ali, o Shihan estava comigo, uma honra!

Pedido feito, chegou o garçom com a travessa fumegante. Aproximando-se do Shihan para servi-lo, este, então, apontou para que eu fosse servida primeiro. Foi então que, para uma tímida, o pior aconteceu: todos os olhares voltaram-se para mim – não só por se tratar de uma indicação do Shihan como por ser o primeiro prato a chegar numa mesa de famintos. Essa era a hora de mostrar a etiqueta!  Agradecida, voltei-me para o Shihan e disse-lhe:

– Primeiro o senhor!

O garçom retornou ao Shihan que sorriu para mim e pediu para que eu fosse a primeira a ser servida. Não me recordo quantas vezes fizermos esse “ping-pong”. Decidida, voltei-me com energia para o pobre garçom:

– Sirva-o primeiro, pois ele é o Sensei!

Pelo recuo do rapaz tenho certeza que utilizei meu olhar e minha voz de comando devidamente aprendidos em 10 anos de pratica em outra arte marcial. De pronto ele largou a travessa ao lado do Shihan e saiu rapidamente. O Shihan fitou-me mais uma vez, sorriu e agradeceu com um sinal positivo com a cabeça.

Vencia então o “combate”. Orgulhosa e convicta de que tinha acertado a origem do movimento: o garçom. Consegui assim colocar em prática a etiqueta para com o Shihan demonstrando toda a minha disponibilidade em servi-lo perante todos os aikidokas, Senpais e Senseis presentes.

Pacientemente esperei o Shihan, que se servia calmamente… acho que não estava com muita fome… Olhei para ele quando acreditei que tinha terminado. O mesmo olhou para mim, sorriu novamente e, ao invés de passar a travessa, passou-me o prato servido por ele.

Não teve “ukemi” que disfarçasse tamanha vergonha… TODOS gargalharam com a cena e até hoje estou digerindo este yakissoba…

– Quantas vezes impomos uma técnica ao uke? Estamos realmente nos harmonizando com ele ou impondo nossa “gentileza”?

– Quantas vezes buscamos a mão ou braço do uke convictos que estamos indo à origem do movimento?

– Faço a técnica por senti-la ou para demonstrá-la?

– O que é a real gentileza, harmonia, amor? O que é o AI?

Enfim, essas são algumas das perguntas que venho “digerindo” desde o acontecido e divido-as com vocês. Talvez nunca encontre as respostas. Não importa. O que importa é que a busca por elas tem me acompanhado e modificado a cada dia a minha movimentação e as minhas atitudes.

Este ano irei novamente acompanhar Sensei James Araújo ao mesmo Seminário em João Pessoa/PB organizado pelo Sensei Rogério Paodjuenas, ministrado pelo mesmo Shihan Edgardo Novelino… Qual será o prato do dia?

*

Domo Arigato Gozaimashita!

*

Referências:

[1] http://www.osamurai.xpg.com.br/contos.htm

*

*Cristiana Barbosa (CrisB) – Designer Gráfico – Nidan da Academia Central de Aikidô de Natal

*

Publicidade

17 Responses to Henka Waza de um Yakissoba – Por Cristiana Barbosa (CrisB)*

  1. Suzana Mafra disse:

    Texto lindíssimo e, como sempre, carregado de sensibilidade.
    Muita honra tê-la como minha Sensei.

    Domo Arigato Gozaimashita, Sensei!!!

  2. Israel Félix disse:

    sensei Vinicius e Cris B, tomei a liberdade de replicar o texto no Blog Aikido potiguar.
    Texto muito bom, excelente experiência!

  3. […] mar e pensando: “Cara, to ficando doido, Aikido e mar? Nada haver.” E então lembrei do último texto da nossa querida CrisB analisando a gentileza do Aikido em um jantar de Yakissoba e vi que os princípios são aplicados em […]

  4. Silvia Fontenele disse:

    Muito bom, Cris. Bacana ver que permanecem seu humor inteligente e sua dedicação ao aprendizado do Aikido. Saudade da ACAN…

  5. gilberto disse:

    Cristiana, tomei conhecimento sobre vc através de Alessandro Nóbrega, de Santa Cruz. Falava eu com ele sobre veganismo – prática à qual aderi há dois dias. E ele me falou de você. Lí seu conto e quero que me oriente nesse início de mudanças tão drásticas. Também não quero ser um ET em minha cidadezinha. rsrsrs

    • CrisB disse:

      kkkk já estás facebookiado! Mas sou apenas ovo-lacto-vegetariana. Vegan é um nível mais avançado rsrs game over para mim…

  6. Odorico Martins disse:

    Grande Cris B. Excelente texto e nos leva realmente a reflexão. Parabéns pelo texto e pela nidanização. Bj

  7. yamadojo disse:

    Ótimo texto. Obrigado por compartilhar.

  8. Pedro Fanini - Uberlandia-MG disse:

    Excelente texto, obrigado por compartilhar essa experiência.

  9. Carlos Eduardo Sartor disse:

    Simplesmente fantastico Sensei Cris !!!!!!!!! Reflexoes como essa me emocionam. Parabens e muito obrigado !!!!!!!

  10. Muito legal o texto. Meus parabéns a Cristiana Barbosa por Tê-lo escrito e agradeço por ter compartilhado a experiência.

Comente

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: