Sobre a Arte da Paz – Por Morihei Ueshiba

10/01/2014

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A Arte da Paz começa em você. Trabalhe consigo mesmo e com a tarefa que lhe foi consignada na Arte da Paz. Nós todos temos um espírito que pode ser refinado, um corpo que pode ser treinado de certa maneira, uma senda conveniente a ser seguida. Estás aqui com o único propósito de dares conta de tua divindade interior e manifestar a tua iluminação inata. Alimente a paz em tua própria vida e aplique logo a arte a tudo o que encontrares.” 

Ô-Sensei Morihei Ueshiba

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Colaboração:

www.impressione.wordpress.com

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Fontes Ideológicas das Artes Marciais Japonesas

10/07/2009

O Japão sempre foi fiel aluno e profundo admirador da cultura da China e da Coréia. Importou da China o budismo, o confucionismo, as artes, a escrita, o sistema político, instrumentos musicais, usos e costumes.

Os coreanos ensinaram a arte da fundição, da arquitetura, da carpintaria e incentivados pelo príncipe Shotoku, a escrita chinesa kanji foi ensinada pelo mestre coreano Wang-I aos iletrados japoneses do século VI, como instrumento necessário para o aprendizado do budismo.

Discípulo aplicado, o japonês entendeu a natureza da sua alma e o conforto espiritual que lhe proporcionava a doutrina que falava da salvação pela iluminação, ou seja, pelo conhecimento. Mais ainda, moldou sua personalidade, sua cultura, seu modo de falar, de se relacionar com as pessoas pelos cânones budistas. Não há no budismo nenhum mandamento. Nada obrigatório, nada mandatário, nada no imperativo. Não há nem mesmo Deus ou deuses. Há apenas caminhos apontados. Buda, que significa apenas “O Iluminado”, dizia que o caminho natural de todo ser humano é atingir o estado de Buda. E para isso, apontava caminhos, mas nunca obrigou ninguém a trilhá-los, nunca sequer disse que o que pregava era uma religião. Dizia apenas que a salvação do homem só se dá pela compreensão das quatro nobres verdades, segundo a tradição Theravada.

“A vida é cheia de sofrimento”;

“O sofrimento provém da ânsia”;

“O sofrimento pode terminar se eliminar a ânsia”;

“O meio de atingir a paz interior (nirvana) é através das oito vias sagradas”.

“As oito vias sagradas são ditas a senda óctupla dos três treinamentos superiores: Sabedoria, Ética e Meditação”.

Derivada do budismo, a tônica do zen-budismo é a integração com o todo pelo fazer e pela meditação. A ação existe como recurso para esvaziamento da mente. Não se fala, não se pensa, faz-se o mais perfeito porque o corpo é apenas expressão da alma. Ao falar e ao pensar, estamos conscientes, ocupando, portanto, parcela muito pequena das nossas mentes grandemente mergulhadas no insondável inconsciente. No gesto e na ação perfeitas, fora do consciente, revela-se a perfeição do inconsciente, a perfeição da alma. 

O xintoísmo é a religião primitiva do Japão. Nasceu da relação do homem com a Natureza, seus sentimentos, crenças e superstições, por isso, é animista e panteísta. Tudo é dotado de alma, há divindades para tudo: florestas, águas, rios, mares, árvores, pedras, entes falecidos etc. Assim, o nipônico primitivo tornou sagrados os elementos que amava e respeitava.

Dentre todos os elementos da Natureza, o ser humano é o único ser passível de veneração, porque nasce de deuses celestiais. Nos lares, o japonês venera seus ancestrais num pequeno santuário de madeira, oferecendo-lhes água e a primeira porção da comida. Contrariamente ao budismo, não há ensinamentos no xintoísmo, apenas uma mitologia escrita em 712 no Kojiki (Relato de coisas antigas) e em 720 no Nihonshoki (Crônicas do Japão). Há inúmeras divindades, mas nenhuma necessidade de igreja ou templo.

Antigamente os japoneses cercavam um pedaço do terreno com a corda de palha trançada (shimenawa) e ali celebravam suas cerimônias xintoístas. O visitante que quisesse reverenciar a divindade máxima no altar de um santuário xintoísta, seria levado pelo sacerdote ao altar onde há apenas um espelho. “Tipifica o coração humano que quando perfeitamente plácido e claro reflete a própria imagem da Divindade”, explica Inazo Nitobe. Não se pode ensinar o xintoísmo porque não há o que ensinar: nem doutrina, nem mandamento, apenas a mitologia narrando a origem do arquipélago e do povo japonês. Só se aprende o xintoísmo pela convivência e pelo exemplo, afirma Yunagita Kunio, um dos maiores estudiosos da cultura japonesa.

Do sábio chinês Confúcio (Kung Fon Tzeu) o japonês aprendeu a ética social, o respeito à hierarquia familiar e à da sociedade. Confúcio ocupava-se unicamente do presente; nada ensinava da vida além-morte. Em comum com o budismo, o confucionismo prega a sabedoria e a benevolência, além da justiça, honestidade e sentido da propriedade. 

Toda arte japonesa ao harmonizar corpo, mente e espírito, reflete os princípios religiosos expostos. Não há a perfeição como objetivo a ser atingido. A concepção de perfeição é zen-budista: está no buscar, no caminhar, por isso, grande parte das artes japonesas, têm a finalização (caminho). Shodô é o caminho da escrita, kadô, o caminho das flores ou dos arranjos florais também conhecido como ikebana, kadô, com outro kanji para “ka” significando poesia, é o caminho da poesia ou a arte do poeta, butsudô, o caminho dos ensinamentos budistas, sadô ou chadô, o caminho do chá ou a arte da cerimônia do chá, kendô, o caminho da espada, aikidô, o caminho para harmonia do espírito, judô, caminho suave ou caminho da luta suave, karatê-dô, caminho da arte marcial de mãos vazias. Mesmo que se repute perfeita a arte, o mestre se considera apenas no caminho porque cada execução é única, irrepetível, irretocável, produto do estado de alma naquele exato instante. E executa-se porque o enlevo da alma é também único para cada instante.

A cultura japonesa considera natural trilhar o caminho do aprimoramento da alma. A arte é apenas um dos meios para isso. O xintoísmo moldou as artes ensinando o respeito e a necessidade de convivência com o próximo para nosso aperfeiçoamento como homens. Para os praticantes das artes marciais japonesas, o local de treinamento, é como no xintoísmo, terreno sagrado, merecedor de respeito e reverência. É local de aprendizado e elevação espiritual, para o que as lutas são meros instrumentos, por isso, é muito natural que lutadores de aikidô, judô, sumô, kendô ou outra arte marcial reverenciem o local da prática e o adversário, antes e depois da luta. Natural também que as regras éticas tenham moldado as regras esportivas, surgidas depois.

Produto cultural dessa ideologia, tudo ligado ao conhecimento e àquilo que nos aprimora, é respeitado e venerado: as escolas, os livros, os professores, os santuários, os templos, a prática de qualquer arte que eleve, instigue nossa sensibilidade estética, como na poesia ou pintura, ou dê paz espiritual ao homem, como na arte do bonsai ou da cerimônia do chá. Os professores ou aqueles que ensinam gozam de alta reputação social. Sensei (professor), além de ser pronome de tratamento para quem ensina, é pronome altamente respeitoso, equivalente a doutor para nós brasileiros.

Referências Bibliográficas:

Michiko Yusa – Religiões do Japão – pag 31 – ed 2002 – Edições 70 – Lisboa – Portugal

Inazo Nitobe – Bushidô – a alma de samurai – ed pag 16 apud in Benedito Ferri de Barros – Japão – harmonia dos contrários – ed 1988 – página129

Para saber mais: D. T. Suzuki e Erich Fromm – Zen-budismo e Psicanálise

Para saber mais: op cit Michiko Yusa e Xintoismo e Edmond Rochedieu – Editorial Verbo ed 1982 Lisboa/Portugal.

Colaboração: www.aikikaizen.com.br


Elementos do Xintoísmo no Aquecimento Moderno – Chin Kon Ki Shin – Por Dan Penrod

17/11/2008

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“Uma prática que busca auxiliar a união da pessoa com o espírito universal e ajudá-la a compreender a missão divina que é a meta a ser atingida em sua vida.” – Do glossário de Os Princípios do Aikido de Mitsugi Saotome.

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Chinkon é definido como… sossegar e acalmar o espírito e Kishin é definido como … Retornar à divindade ou kami, o que se refere a atingir um profundo estado contemplativo em que se está apoiado no universo divino.  Chinkon e kishin são geralmente praticados juntos, e a primeira parte, chinkon, envolve a revitalização dos sentidos e a concentração do espírito, e a segunda parte, kishin, envolve um estado meditativo alerta.  Já foi dito que chinkon e kishin juntos formam um método de se atingir a unidade com o divino, apesar de cada um ter sua própria função. Alguns dizem que chinkon reúne os espíritos das almas que vagueiam no éter até o tanden (centro abdominal) enquanto kishin ativa estes espíritos.

Chinkon-kishin possui raízes ancestrais que são citadas nos antigos textos Xintoístas como o Kojiki.  A prática xamanística da respiração mística e meditação da união dos espíritos divino e humano era muito usada no passado na preparação do misogi em cachoeiras, uma prática ascética de ficar sob uma cachoeira congelante por longos períodos de tempo, em meditação, com o objetivo de limpar a mente, o corpo e o espírito.  O’Sensei praticava com freqüência esse tipo de misogi (limpeza espiritual), mas para O’Sensei, o aikidô era sua prática diária de misogi.  Por esta razão, o fundador se preparava para o misogi de seu treinamento de aikidô praticando técnicas de chinkon-kishin em seus aquecimentos.

A prática do chinkon-kishin tradicional quase saiu de uso na tradição Xintoísta até que Onisaburo Deguchi reviveu a prática dentro da seita religiosa Omoto Kyo Shinto, no início da década de 1900. Quando O’Sensei conheceu Onisaburo e abraçou a religião Omoto ele também abraçou a prática de chinkon-kishin como era ensinado e praticado por OnisaburoO’Sensei abraçou a riqueza da cultura e da miologia xintoísta desde sua infância. A Omoto Kyo, como uma forma nova de uma religião antiga e a liderança carismática de Onisaburo tiveram um profundo efeito sobre o caminho espiritual de O’Sensei.

De acordo com Yasuaki Deguchi, neto do líder da Omoto Onisaburo Deguchi, Onisaburo recebeu seu conhecimento de chinkon-kishin por uma revelação que teve ao fazer parte de práticas ascéticas no monte Takakuma.  Ele também se referiu a um método de kishin mencionado na seção relativa ao Imperador Chuai no Kojiki (registros sobre assuntos ancestrais) e nos registros da Imperatriz Jinko no Ni-honshoki (Crônicas do Japão). Nos anos posteriores a prática de chinkon-kishin foi abandonada na religião Omoto Kyo devido ao efeito profundo e freqüentemente surpreendente que tinha sobre os praticantes. Mas a prática nunca foi abandonada por O’Sensei e é encontrada misturada aos aquecimentos nos dojô de todos os lugares.

São várias as formas de chinkon-kishin que O’Sensei integrou aos aquecimentos do treinamento do aikidô.  Estes exercícios, mesmo que em geral não sejam claramente compreendidos, mesmo pelos uchideshi de O’Sensei, ainda são praticados em muitos dojô de aikidô em todo o mundo. Eles são praticados mais por seus óbvios benefícios ao físico. Eles também são praticados, em parte, por seu significado histórico. Os alunos do fundador que mantiveram a prática diferem de forma significante sobre os detalhes bem como sobre o nível de importância que colocam nessa prática, e a maioria deles admitem não compreendê-la. Um aluno de O’Sensei disse… “Nós a praticamos porque é muito importante… O’Sensei disse que descobriríamos o significado destas técnicas por nós mesmos”.

Furitama: “sacudindo a alma”, “acomodando o ki”, ou “vibração do espírito”

O Furitama é praticado de pé com as pernas afastadas na distância dos ombros. As mãos são colocadas juntas, com a direita sobre a esquerda. Deixa-se um pequeno espaço entre as mãos. As mãos são colocadas na frente do abdômen e sacudidas com vigor para cima e para baixo. Inale até ao topo da cabeça, que estará naturalmente levantada. Então exale até a sola dos pés, enquanto continua a sacudir as mãos para cima e para baixo. O exercício é finalizado em silêncio e em kishin parado e meditativo.

Este exercício de chinkon tem a intenção de reunir o espírito da divindade ao seu centro… acalmando o espírito… vibrando a alma.  É uma maneira eficiente de acalmar seus pensamentos, centrar sua mente e focalizar sua intenção.

Outra forma de “vibração do espírito” pode ser vista com a seguinte prática: levantam-se as mãos acima da cabeça, sacudindo-as vigorosamente com os dedos estendidos. Depois elas são jogadas para baixo em direção ao chão. O fundador falava de “sacudir a poeira das juntas” ao se referir a este exercício para soltar os pulsos. Para ele era um movimento vitalizante para sacudir as impurezas do corpo…uma forma de misogi para se preparar para a prática do aikidô.

Torifune: “remar o barco” ou “pássaro remando”

Torifune, também conhecido como kogi-fune ou o exercício de remar envolve movimentos de braços e corpo como o movimento de remar um barco. De acordo com o Kami no Michi, um importante texto sobre o Xintoísmo, as mãos se fecham com os polegares para dentro, e o movimento das mãos é bastante linear.  As imagens de O’Sensei o mostram com os punhos fechados na forma tradicional de soco, com os polegares por fora.  Em um antigo vídeo ele pode ser visto praticando torifune tanto com movimentos lineares de socos quanto com movimentos ritmados de remadas. Hoje em dia torifune parece ser mais praticado com as mãos abertas, os dedos apontando para baixo com os punhos sendo jogados para frente e puxados de volta para os quadris.

Primeiro se coloca o pé esquerdo para frente. Enquanto joga as mãos ou punhos para frente, você vocaliza o som “eh”.  Ao puxar as mãos, você vocaliza “ho”.  Esse empurrar/puxar é feito de forma ritmada por 20 vezes, e então você coloca o pé direito à frente. Agora, ao levar as mãos para frente você vocalize “ee”.  Ao puxá-las você vocaliza “sa”. Em algumas escolas é feita uma terceira rodada novamente com o pé esquerdo à frente, com o som de “eh” tanto ao levar as mãos para frente como para trás.

Ibuki Kokyu – Respiração Profunda

Ten-no-kokyu: Respiração do céu

A respiração do céu envolve uma inalação profunda, com as mãos juntas na frente do corpo, as mãos são erguidas na postura de ten-no-kokyu (respiração do céu), juntas e acima da cabeça. Então passamos para a respiração da terra…

Chi-no-kokyu: Respiração da terra

A respiração da terra é feita exalando-se lentamente e levando-se as mãos para baixo na postura de chi-no-kokyu (respiração da terra). As mãos são levadas para baixo ao lado do corpo como se estivessem empurrando para baixo o universo, até que as mãos se juntam na frente do abdômen para completar o círculo.

Geralmente o ciclo de ten-no-kokyu e chi-no-kokyu é repetido 3 vezes sucessivas. Quando praticado por si só, em geral há uma pausa silenciosa de kishin no final do ciclo de respirações. Quando é combinado com outros exercícios a transição muda e o kishin pode ser levado para o final das combinações.

Furitama, torifune, e ibuki são freqüentemente praticados juntos em diversas combinações. As vezes furitama é entremeado com ibuki.  Outras vezes furitama é entremeado com torifune.  Essas práticas variam muito de uma associação de aikidô para outra, e também de dojô para dojô, mesmo dentro das associações.

É interessante se notar que as associações de aikidô que foram muito influenciadas por Koichi Tohei praticam muitos outros exercícios de kihon undo que Tohei adotou e ampliou… considerados capazes de ajudar a manifestar o ki.  Quando seus interesses se afastaram das formas antigas de Xintoísmo e sua atenção se focalizou nos princípios do ki, ele pegou alguns exercícios de chinkon-kishin e os modificou para seu catálogo recentemente codificado de exercícios de ki.

Quando comecei a praticar o aikidô, há quase 20 anos atrás, não me lembro de ter visto Mitsugi Saotome Sensei nos direcionando para qualquer tipo de chinkon-kishin.  Isso pode ter acontecido porque O’Sensei diminuiu a ênfase da prática em seus últimos anos. Ou porque o O’Sensei deixou que seus alunos, especialmente nos seus últimos anos, ignorassem ou pensassem por si próprios sobre as antigas práticas xintoístas, que pareciam cada vez mais anacrônicas em um Japão moderno.  Alguns anos depois percebi que Saotome Sensei apresentou furitama, torifune, e ibuki kokyu a seus alunos, possivelmente ao redescobrir suas próprias raízes do aikidô e em uma demonstração de respeito às tradições mais antigas.

Como as origens e motivações destas técnicas são raramente ensinadas ou discutidas no dojô… os alunos ficam freqüentemente imaginando o que estão fazendo ou como absorver de forma apropriada os movimentos que estão acompanhando. Uma compreensão baseada na fonte e da história destes movimentos misteriosos nos ajuda a criar uma base a partir da qual vamos enriquecer e desenvolver nossa prática pessoal. Que sua prática seja bem fundamentada e proveitosa.

Tradução: Jaqueline Sá Freire (Brazil Aikikai – Hikari Dojo – Rio de Janeiro)

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Colaboração: http://hikari1.multiply.com/

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