Princípios Básicos da Filosofia do Aikidô: as dívidas, as gratidões e as virtudes dessa arte de Ser – Por Moaldecir Freire Domingos

30/04/2011

Morihei Ueshiba dedicou seu tempo (principalmente no período pós-Segunda Guerra Mundial) de vida para elaborar a filosofia do Aikidô, a partir de estudos budistas, xintoístas, e de sua própria percepção sobre o Ki, o Universo e a Vida experimentados ao praticar diferentes Artes Marciais.

Na obra de Stevens (2004) sobre a Filosofia do Aikidô, encontramos alguns princípios básicos dessa filosofia que foram escritos baseado nos ensinamentos, entrevistas e conversas de Morihei que foram traduzidas pelo próprio Stevens. Também se fundamenta nos ensinamentos de seu mestre Rinjiro Shirata (aluno direto de Morihei), nos escritos de Kisshomaru e na sua própria experiência enquanto praticante do Aikidô.

Stevens (2004) afirma que os princípios básicos são as “quatro gratidões”: a) Gratidão para com o Universo que significa agradecer pelo dom da vida; b) Gratidão para com nossos ancestrais e predecessores representando ser grato pelos pais, grandes líderes, professores, inovadores, artistas, entre outros; c) Gratidão para com o próximo, pois não se pode viver sem relacionamento; e d) Gratidão para com as plantas e animais que sacrificam suas vidas por nós, ou seja, nós existimos às custas de outros seres vivos.

Essas “quatro gratidões” estão diretamente relacionadas com quatro dívidas: a) estamos em débito com o Universo, pela dádiva de seu grande propósito; b) estamos em débito com nossos ancestrais pela dádiva de nossa existência; c) estamos em débito com os homens e mulheres sábios do passado, pela dádiva de toda cultura humana; e d) estamos em débito com os seres vivos pela dádiva de proporcionar o nosso alimento (STEVENS, 2004).

Além desses itens, a Filosofia do Aikidô envolve “quatro virtudes”: 1) a virtude da coragem, a vitória que buscamos é sobressairmos a todos os desafios e lutar até o fim; 2) a virtude da sabedoria, o Aikidô é a arte do aprender profundo, a arte de conhecer a si mesmo; 3) a virtude do amor, o verdadeiro Budô é a função do amor, o caminho do guerreiro não é a destruição e morte, mas experimentar a vida para continuamente criar; e 4) a virtude da empatia que preconiza a aplicação dos ideais do Aikidô nas diferentes esferas das relações humanas, ecológicas, econômicas e na política (IDEM).

Para finalizar a estrutura básica dos valores no Aikidô, citamos agora os três princípios filosóficos da unidade propostos pelo Ô Sensei: 1) a mente deve estar em harmonia com o funcionamento do Universo; 2) o corpo deve estar ajustado com o movimento do Universo; e 3) mente e corpo devem ser um só, unificados com a atividade do Universo (UESHIBA, s/d apud UESHIBA, 2005, p.25).

Morihei Ueshiba criou esses princípios básicos pensando no difícil período pelo qual passava o Japão, dentre os quais podemos citar a rápida modernização e o envolvimento em grandes guerras. Assim Morihei desenvolveu o Aikidô para que qualquer pessoa pudesse treinar e concluiu que o verdadeiro espírito do Budô não deve centrar-se em competições e combates, mas buscar a perfeição como ser humano através de treinamento cumulativo, unificando o ki individual com o ki universal (UESHIBA, 2005).

Nesse sentido, o Aikidô de Morihei não é um esporte competitivo, não participando de eventos competitivos ou de confrontos que incluam divisões por pesos, classificações baseadas no número de vitórias e a premiação de campeões. Essas características dos esportes de luta são consideradas como alimento para o egoísmo, para a vaidade pessoal e o pelo desinteresse nos outros. Não é objetivo do Aikidô criticar as outras artes marciais por tornarem-se esportes. Sobre isso, a transcrição a seguir é esclarecedora:

“Não estamos criticando as demais artes marciais por se tornarem esportes modernos. Historicamente, essa direção era inevitável para a sua sobrevivência, especialmente no Japão pós-Segunda Guerra Mundial, quando todas as artes marciais foram proibidas pelas autoridades da Ocupação Aliada. Mesmo como esportes, atraíram o interesse de muitas pessoas, quer como participantes quer como espectadoras. Isso é positivo, pois não há como negar que os jovens, de modo especial, são atraídos às artes marciais devido às competições e torneios que decidem quem é o melhor no campo. A despeito dessa tendência, o Aikidō se recusa a entrar nesse círculo e permanece fiel à intenção original do Budō: o treinamento e o cultivo do espírito” (UESHIBA, 2005, p. 23).

Dessa forma, compreendemos que o Aikidô é um exercício de aperfeiçoar a nossa condição humana em seus princípios éticos relacionados ao aprendizado e à compreensão das dívidas, ao exercício das gratidões e das virtudes como enunciado nos princípios básicos dessa arte de Ser.

Referências Bibliográficas:

STEVENS, J. A Filosofia do Aikidô. São Paulo: Cultrix, 2004.

UESHIBA, K. O Espírito do Aikidô. 6ª Ed. São Paulo: Cultrix, 2005.

 

*Moaldecir Freire Domingos é formado em Educação Física pela UFRN e faixa-amarela (5º Kyu) da Academia Central de Aikidô de Natal.

Colaboração: www.impressione.wordpress.com

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Uma compreensão de corpo na Filosofia do Aikidô: um resumo – Por Moaldecir Freire Domingos Júnior

27/09/2010

No dia 15 de julho de 2010 apresentamos nossa monografia, intitulada “Uma compreensão de corpo na Filosofia do Aikidô”, ao Departamento de Educação Física da UFRN no intuito de obter o título de Licenciado em Educação Física, assim como, ter o prazer de conhecer mais sobre o Aikidô e a cultura japonesa.

A pesquisa teve como objeto de estudo a compreensão de corpo na Filosofia do Aikidô. Assim, tivemos como questões de estudo: qual a compreensão de corpo na Filosofia do Aikidô? Como essa compreensão influência a prática do Aikidô? Qual a contribuição da compreensão de corpo na Filosofia do Aikidô ao conhecimento da Educação Física?

Nosso estudo foi um trabalho filosófico inspirado na Fenomenologia de Merleau-Ponty e para esse pensador, a Fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas resumem-se em definir essências que estão na existência.

Para compreender o corpo no Aikidô, partimos da noção de corpo em Merleau-Ponty. Segundo esse Filósofo, o corpo é compreendido não como uma soma de órgãos justapostos, mas o corpo é a condição existencial do homem, é pelo corpo que homem conhece o mundo, a si mesmo e aos outros (MERLEAU-PONTY, 2006).

Assim, pensamos sobre o corpo a partir das seguintes categorias: a cinestesia, o corpo e o espaço, e o corpo na relação com o outro. Descrevemos essas categorias a partir do estudo sobre o Aikidô obtida através da interpretação de textos sobre esta arte marcial e de observações livres, considerando nossa experiência vivida na Academia Central de Aikidô de Natal.

A cinestesia é percepção do corpo em movimento atado a um fundo, o mundo. O espaço não é visto como o ambiente que as coisas se dispõem, mas o meio pelo qual a posição das coisas se torna possível e devemos pensá-lo como a potência universal de suas conexões. Dessa maneira, o corpo não está no espaço, ele habita o espaço e nossas relações com o espaço não são as de um puro sujeito desencarnado com um objeto longínquo, mas as de um habitante de espaço com seu meio familiar (MERLEAU-PONTY, 2004, p.16).

A partir da compreensão de corpo, cinestesia e espaço, nota-se o esforço de Merleau-Ponty em unir as coisas. No que diz respeito à última categoria de nossa pesquisa, o outro, esse pensamento de união continua. O filósofo francês não concorda com a ideia de o outro ser um objeto material sem intenção, sem desejos, ao contrário, o outro é um ser-no-mundo que também tem intenção, pensa, age, sofre, chora. O eu e outro coexistem no mesmo mundo.

Explicado a base teórica de nossa monografia, passamos agora aos resumos dos dois capítulos e de nossa provisória e incompleta conclusão, uma vez que o conhecimento é dinâmico e mutável.

O primeiro capítulo é dedicado a contextualizar o Aikidô – enquanto uma Filosofia e uma Arte-marcial – identificando seus pressupostos filosóficos, históricos e religiosos, dessa forma, apontando Notas sobre o pensamento do Aikidô. Nessa parte do estudo também abordamos brevemente sobre a vida de Morihei Ueshiba, o criador do Aikidô.

No segundo capítulo descrevemos a estrutura de uma aula de Aikidô a partir de nossas observações e leituras, ao mesmo tempo, relacionando com as categorias: cinestesia, o corpo e o espaço e o corpo na relação com o outro no intuito de compreendermos o corpo nessa arte marcial japonesa.

A partir desses dois capítulos nos quais tentamos pensar sobre o corpo no Aikidô, percebemos uma parceria entre o Aikidô e a Educação Física poderia colaborar na divulgação e vivência de outro olhar ao corpo, não mais aquele olhar fixado numa busca desenfreada e a todo custo por saúde, beleza e ser o mais forte. Mas, um olhar pautado em viver o corpo na sua totalidade, experimentado novas sensações: perceber a própria respiração, sentir quais músculos estão rijos, quais estão alongados, como estão nossas atitudes enquanto um ser-social-no-mundo, o que temos feito para construir um lugar bom para viver-bem; também atentarmos para o corpo do outro, saber o quê o outro necessita, como vai a história de vida desse corpo que vive perto de meu corpo. Precisamos sentir mais uns aos outros. O toque é algo importante na relação humana, uma vez que essa relação é corporal.

Por fim, tendo em vista o movimento epistemológico que tem ocorrido na Educação Física brasileira há aproximadamente três décadas, em especial aqueles buscam superar uma visão mecanicista e tecnicista do corpo, concluímos que a compreensão de corpo na Filosofia do Aikidô pode contribuir em fortalecer esse movimento por meio da experiência cinestésica e de sua atitude filosófica.

Referências:

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepção. 3ª Ed. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

__________. Conversas, 1948. Organização e notas de Stéphanie Ménasé. Tradução de Fabio Landa. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

*Moaldecir Freire Domingos Júnior – Formado em Educação Física pela UFRN e Faixa – Amarela (5º Kyu) da Academia Central de Aikidô de Natal.

Colaboração: www.impressione.wordpress.com


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