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Em meus primeiros contatos com o Aikido, principalmente através dos filmes de Steven Seagal, a técnica que mais me chamava atenção era o irimi nage (a qual só soube a denominação muitos anos depois). A maneira como o braço ia de encontro ao pescoço do oponente, a forma de projeção ao chão, a aparente efetividade marcial, eram pontos que me encantavam nesta técnica e me entusiasmavam a aprendê-la.
Muitos anos depois, quando iniciei meus estudos como aluno na Academia Central de Natal, ainda me entusiasmava pela questão “incisiva” da técnica. Agora também animado não apenas pela sua aplicação, como também pela graça na forma de recebê-la, quando os ukes caiam em yoko ukemi ou em variações de ushiro hanten.
Firmeza, força, forma, poderio de efetividade, coisas deste tipo me atraiam na técnica. Eu nem imaginava como a minha visão estava mais do que limitada. Ela estava completamente errada, sobre o irimi nage. Eu não sabia nada sobre a técnica e quanto mais me voltava a estes aspectos, mais me impossibilitava de aprendê-la de verdade.
Após alguns anos de treino, modificando minha visão não apenas sobre o Aikido, mas também sobre diversos aspectos da vida, comecei a ter uma pequena compreensão sobre a realidade desta técnica. Estudos e formas de ver a técnica de maneira mais branda, conduzindo o uke e não contundindo o mesmo, me levaram a começar a ver que a harmonia do Aikido é muito mais interessante de ser aplicada, do que a simples intenção de ser incisivo e “forte”.
Se na prática do Aikido sempre buscamos nos harmonizar com o universo e, obviamente, com o uke, o emprego das técnicas de forma contundente está totalmente em desacordo com a filosofia da arte. A aproximação do uke, seja com um atemi waza, seja com um katame waza, não necessariamente precisa ser entendido como uma tentativa de agressão, mas como um ponto de vista diferente do seu.
Em vários momentos da minha vida, não apenas na prática das artes marciais, mas também na vida profissional e pessoal, eu compreendi que conflitos, principalmente de opiniões, podem ser resolvidos quando ambas as partes estão dispostas a olhar pelo ponto de vista do outro, a compreender o ponto de vista do outro, para que então possa apresentar o seu ponto de vista. É lógico que como alguém que está ainda iniciando seu estudo no Aikido, eu teria grandes dificuldades para compreender, sozinho, esta questão aplicada às técnicas isoladas.
Estudando o irimi nage nos treinos mais recentes, tendo a técnica sido apresentada de uma maneira um pouco diferenciada, sem interferir no braço do uke que se aproxima, buscando um posicionamento não apenas nas costas do uke, mas também olhar para a onde ele está olhando, para que só então eu possa completar o movimento conduzindo ele a olhar para onde eu estava olhando. Começo a compreender que ele nada mais é do que, olhar o conflito sob a ótica de quem me confronta e mostrar a ele o meu ponto de vista, para que só então possamos chegar a um entendimento.
Ao olhar na direção que o uke está olhando, somos capazes de enxergar e até mesmo compreender o seu ponto de vista. Mas a boa resolução de um conflito passa pelo ponto em que ambas as partes compreendam o ponto de vista do outro. Ainda falta que o uke compreenda o seu ponto de vista e cabe ao nage apresentar este ponto, conduzir o uke a enxergá-lo. Mas esta condução não precisa ser violenta, ou contundente, ela pode ser feita de maneira harmônica, suave e, até mesmo, gentil. Lembrando palavras de O Sensei:
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Assim que a
Cobra Demônio
Ataca
Eu já estou atrás dela
Guiando-a com amor
(Ensinamentos secretos de Aikido, 2010)
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Vejo como uma referência exata ao conceito aplicado aqui. Mas que não pode ser limitado apenas ao irimi nage, muito menos ao Aikido, existe a necessidade de observarmos muito mais do nosso dia-a-dia sob essa maneira de resolver casos conflituosos. Outras técnicas, outras artes, outras situações. Nem sempre será possível aplicá-la de forma tão direta como posta aqui, mas a intenção, a maneira de enxergar a situação, essa sim poderá ser sempre aplicada.
É interessante como uma técnica que é repetida com grande frequência, quando praticada de um modo diferente, pode nos mostrar que o conhecimento sempre esteve presente e claro, nós apenas não estávamos prestando a devida atenção a ele. Em estudos mais abrangentes, encontrei algumas referências que podem ser analisadas sob esta mesma intenção.
Richard Moon, em seu livro Aikido em três lições simples (2006), fala sobre duas questões que se mostram bem aplicadas ao assunto que se trata aqui. Ao tratar sobre o item Fora da linha de choque ele diz: Fique fora da linha de choque. Não deixe que a interação com outra pessoa se torne uma questão pessoal. Opte por aceitá-la e compreender seu significado como uma expressão do modo como ela se sente. Se não tomar a reação do outro como uma afronta, você ficará livre para iniciar um diálogo genuíno. Que ainda pode ser completado pelo que é dito logo após em O poder do questionamento: Não se oponha aos seus sentimentos ou aos sentimentos das outras pessoas. Investigue as origens desses sentimentos e procure por uma mensagem, um senso de orientação.
Assim como essas citações, encontramos várias outras que refletem a intenção da boa resolução de conflitos. De Sun Tzu à Confúcio, de textos sobre Aikido à textos sobre Karate. A orientação sempre esteve presente, mas muitas vezes precisamos de uma aplicação prática, uma técnica, por exemplo, para que a compreensão aconteça de maneira real. Para que possamos identificar que o sentido daquelas palavras pode ser aplicado em nossa vida.
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*Marcio Henrique é arquiteto, professor universitário e Shodan (faixa-preta 1º Dan) formado pela Academia Central de Aikidô de Natal.
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Colaboração:
http://www.impressione.wordpress.com
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