O Trigal – Por Leilton Lima

25/09/2014

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Eu me sentia como em um conto japonês. A aura de disciplina, suavidade e sabedoria dava um toque oriental naquele início de noite natalense. Eram os meus primeiros passos de encantamento na arte da harmonia, o Aikido. Ao terminar o treino, nos sentamos em seiza lado a lado de frente para o kamiza. O jovem mestre Rodrigo Sensei percorre com seu olhar os olhares de cada um de nós, escorregando de uma face para a outra, sorriso sereno fluindo.

Então sua expressão se molda para acomodar palavras de sabedoria de remotos tempos. É hora de falar para o coração. De passar adiante uma história ouvida de Dona Alice, filha de Kassa Sensei, a guru do Kawai Sensei, nosso mestre maior. Alguém aqui já viu um campo de trigo?”. Ele pergunta. Eu não. O mais próximo de um campo de trigo que minha visão já alcançara, havia sido os capinzais nos baixios de Japecanga. Mas minha mente voou na discrição que era feita: “Em um trigal as plantas se unem em um dourado uniforme, se movimentando em ondas, ao sabor do vento. Isso ocorre porque cada pé de trigo se dobra graciosamente em reverência ao vento que sopra”.

Eu ouvia o sopro do vento, via sua força varrendo aquele mar vegetal, com suavidade, criando ondulações que se deslocavam continua e suavemente. O sol da Cidade do Sol se fundia ao sol da Terra do Sol Nascente e se derramava sobre aquele campo, seus raios encontrando no dourado do trigal sua identidade de cor. Via cada trigo se curvar com graça e voltar à sua condição, ainda fortes, ainda belos, ainda íntegros.

E ele continuou: “Em meio ao mar de trigo, alguns se mantêm de pé. Não se curvam ao vento. Não o reverenciam flexíveis. E diz-se que também são muito bonitos. Mas ao olhá-los de perto podemos constatar que são diferentes: eles não têm sementes. Não tem vida para doar”.

Guardei essa história no coração e tenho recorrido a ela todas as vezes em que algo maior me conduz. Assim, guardo a esperança de jamais deixar de semear.

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*Leilton Lima, Jornalista, e Nidan (faixa-preta 2º Dan) formado pela Academia Central de Aikidô de Natal

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Colaboração:

http://www.imprerssione.wordpress.com

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A ARTE DE CEDER – Por Marcos José do Nascimento

26/11/2009

Em minha adolescência, quando iniciei os meus treinos de Judô com Sensei Ceny Peres Barga, no Ginásio Portuário, no Rio de Janeiro, eram enfatizados os aspectos dos ensinamentos filosóficos de Jigoro Kano, e um deles passado para nós era o seguinte: “O Judô, quando empregado, é tão perigoso quanto uma espada desembainhada, o melhor modo de usá-lo é não o empregar. Ceder para vencer”.

Ceder é uma prática pouco difundida em sociedade, pois, em geral, o ser humano é ensinado, e não educado, a conquistar seus espaços a qualquer custo, de qualquer maneira, qualquer seja esse espaço, e em o conquistando, nele permanecer de igual maneira, da mesma forma que o conquistou, quando não descobrindo novas formas de manutenção no posto, sejam quais forem essas formas.

O Jujutsu marca, pode-se especular, de certa maneira, uma nova maneira de prática de arte marcial, posto que o seu princípio guarda relação com a suavidade, com a flexibilidade, e acredito que no momento anterior à sua existência o modo de praticar-se a arte marcial desarmada fosse talvez mais rígido, menos suave, menos flexível.

Jigoro Kano afirma em seus escritos que o termo Jujutsu talvez se tenha originado da expressão: “Ju yoku go o seisu”, significando, “Flexibilidade Controla a Rigidez”. Na flexibilidade está implícita a idéia de ceder.

Judô e Aikidô são duas artes marciais que empregam a idéia de ceder, embora no primeiro nas competições alguns atletas não se utilizem desse princípio, enquanto outros o utilizam como forma de condução do oponente para uma posição que facilite a aplicação de sua técnica.

Fora os aspectos competitivos do Judô, nas suas demais práticas, ceder é uma constante, no treino técnico, nos seus diversos katas, enquanto no Aikidô essa constante é sempre presente, posto que neste não há alguma forma de combate, no qual um dos praticantes tenha que ser considerado vencedor, inexistindo a figura do oponente na outra pessoa.

Nos treinos de Aikidô, o uke cede o seu corpo para que o tori (ou nage) aplique uma técnica, de igual maneira acontece no Judô, existindo neste apenas uma hipótese em que tal não ocorre, é o chamado “tendoku geiko” (treinamento solitário) no qual o judoca realiza as movimentações de igual forma como se contasse com uke, que na verdade não está presente.

Tanto Jigoro Kano quanto Morihei Ueshiba, respectivamente, criadores do Judô e do Aikidô enfatizavam o uso das artes que criaram fora do ambiente do Dojô, no que se refere a transferir os comportamentos levados a efeito dentro dos treinos para a sociedade, colaborando com ela. E um desses aspectos é o hábito de ceder, entre outros tantos ganhos que vão sendo conquistados ao longo de uma prática continuada.

A imagem do atleta que, na propaganda televisiva, quando chega o elevador, cede a vez para outra pessoa, é um aspecto de gentileza e educação repetido no ambiente do Dojô, e a oportunidade de ceder, pelo exercício da flexibilidade mental, vai-se estendendo aos poucos, para outras posturas mentais e sociais, tornando o praticante, paulatinamente, menos rígido com os outros e consigo mesmo, salientando que todo trabalho de transformação do ser humano, incutindo-lhe novos hábitos mentais e sociais é uma tarefa demorada que tem de contar com a boa vontade do próprio ser, uma vez que na sociedade nem sempre se pode contar com a boa vontade alheia, e transformação que precisa operar-se é em cada ser, em lugar de primeiro dar-se com o outro para que cada um transforme-se.

É uma ação que reclama internalizar os conceitos aprendidos, transformando-os em práticas ao longo do tempo, dentro e fora do Dojô, mesmo que, aparentemente, pequenas, sem grande destaque, sem grande realce social, mesmo sem ser percebida pelos demais, pois, de outra maneira, o discurso não passará de uma bela retórica, o que não falta nos mais variados ramos da atividade humana.

Quando Jigoro Kano afirmava “ceder para vencer”, este vencer reporta-se a vencer a si mesmo, e não o oponente, posto que, em última instância, mesmo na competição em que se busca uma vitória sobre o outro, vence-se a si mesmo, superando-se a si mesmo numa limitação, conquanto essa vitória seja sempre efêmera, mui passageira, como também enfatizava o criador do Judô, quando afirmava que num combate, tanto quem vence, quanto quem perde, encontram-se ambos no mesmo patamar, no mesmo nível.

A arte de ceder, presente no Judô e no Aikidô, herdada do Jujutusu, reclama comportamentos de cooperação, dentro e fora do Dojô, ajudando na construção de uma sociedade melhor, por meio da melhoria dos seus integrantes, e, neste aspecto, tanto o Aikidô quanto o Judô, em suas essências, buscam colaborar na mudança para melhor do ser humano, colaborando com a sociedade como um todo, melhorando-a pela transformação de seus integrantes.

Referências

– MIND OVER MUSCLE – JIGORO KANO – 2005 – KODANSHA.

*MARCOS JOSÉ DO NASCIMENTO – Servido Público Federal – Faixa-Preta de Judô e Aikidô – Aluno da Academia Central de Aikidô de Natal.


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