ERRADO OU INCOMPLETO? – Por Marcos José do Nascimento

21/09/2009

Num seminário promovido pela Associação Higashi de Judô, no seu aniversário, em 2009, Shihan Sadao, 7º Dan de Judô, entre tantas afirmações, deixou registrado que os movimentos realizados numa arte marcial não são naturais, mas criados, sendo naturais os movimentos que os seres humanos vão desenvolvendo, espontaneamente, desde o seu nascimento.

Judô e Aikidô são herdeiros de traços do Jujutsu do século XIX, este, já naquela época, adaptado às situações da vida civil, posto que se tratava de uma prática samurai remota usada em campos de batalha, quando do desarme do guerreiro em combate.

Cada ser humano possui um determinado grau de inteligência cinestésico-corporal, oriundo de múltiplos fatores, fatores esses que vão sendo determinados ao longo da vida e do desenvolvimento do ser humano, e esse grau de inteligência cinestésico-corporal determina certas limitações ou facilidades nas movimentações que a criatura faz por alguma necessidade sua, podendo mesmo esta necessidade originar-se de uma prática de ordem física desenvolvida pela pessoa.

No treino das artes marciais japonesas existem técnicas que vão sendo aprendidas, e estas técnicas possuem um tipo de movimentação básica, que lhe serve de fundamento, a partir da qual podem ser criadas variações (kuzure).

A noção de fundamento, desta forma, é uma necessidade do praticante, desde o mais iniciante ao mais avançado, não dentro de um padrão criado como referência de movimentação, a partir do que uma ou outra pessoa faça no âmbito do Dojô, mas dentro do que permite a natureza pessoal de cada praticante, visto possuir, cada um, um grau de inteligência cinestésico-corporal, que, lógico, pode ser desenvolvida e aperfeiçoada, mas não parametrizado em relação a quem quer que seja.

Como dito anteriormente, inúmeros fatores determinam o grau de inteligência cinestésico-corporal de uma pessoa para um determinado tipo de prática, e a arte marcial não está fora desse âmbito de análise, e esse grau pode mesmo constituir-se em um empecilho para a pessoa em relação a um tipo de atividade física, a depender do que lhe será exigido, fazendo com que ela descarte a hipótese de uma determinada atividade. Tal situação pode acontecer a qualquer ser humano.

Outro fator limitante é a idade, em termos dos movimentos de uma pessoa e da amplitude desses movimentos. Ela poderá realizar movimentação, diferentemente de uma pessoa mais nova cronologicamente, não estando mesmo impedida de uma prática, contudo, terá limitações, mas não se poderá exigir-lhe que realize os seus movimentos dentro dos padrões de pessoas mais novas que ela, até mesmo porque as articulações de quem possui uma idade um pouco mais avançada sofrem com os impactos do esforço exigido.

Um bom exemplo dessa situação, no âmbito do Aikidô, é a movimentação em swari-waza e hanmi-handachi para os mais velhos que guardem interesse na prática ou já estejam praticando. Mesmo os mais graduados, antigos na arte, sentem o impacto dessa limitação oriunda do envelhecimento natural que o ser humano pode enfrentar.

Observando os praticantes que iniciam os treinos de Aikidô, creio que todos, senão a maioria, passaram pela situação de ansiedade em relação às técnicas que vão sendo mostradas. Essa ansiedade está presente na preocupação de postura, de movimentação, de destreza, quando aquele que inicia ainda não sabe, por inexperiência ou falta de orientação, que ele não deve procurar realizar suas movimentações iniciais da mesma forma e destreza que o Sensei ou Senpai demonstra, que ele deve ir, aos poucos, adaptando-se aos movimentos básicos, que serão repetidos e aperfeiçoados ao longo do tempo.

Diz um ditado que aquilo que não sabemos fazer, devemos fazer devagar. Nada mais lógico e acertado.

O praticante novato costuma conduzir uma angústia por realizar, com perfeição (que não existe, posto que não há um parâmetro a ser seguido, em termos pessoais) suas movimentações, e uma vez que é comum qualquer um, independente de graduação, deixar passar despercebido algum detalhe, um ponto a ser ressaltado dentro da movimentação da pessoa pode ser realçado pelo instrutor na ocasião, que pode ser o Sensei do treino ou o Senpai com quem o menos graduado esteja treinando.

Daí surge, talvez, um problema: o movimento realizado, que precisa ser aperfeiçoado, estaria errado ou incompleto?

A melhor didática recomendaria a segunda opção, posto que não causaria mais stress no aluno novato, cujas características de personalidade ainda são desconhecidas no âmbito do Dojô, podendo desestimulá-lo à continuidade dos treinos, além do que, de certa forma, todo o ser humano continua sempre em aprendizagem, desde quem começa as primeiras lições de qualquer ramo de conhecimento ou até mesmo quem conduz alguma forma de aprendizagem a um determinado grupo.

Assim, conclui-se que, na verdade, ao realizar uma determinada técnica, em especial o iniciante, ao faltar algum detalhe dentro do fundamento dessa técnica, esse detalhe que falta não é um erro, mas uma lacuna temporária.

MARCOS JOSÉ DO NASCIMENTO – Servidor Público Federal – Faixa-Preta em Judô e Marrom em Aikidô – Aluno da Academia Central de Aikidô de Natal – www.aikidorn.com.br

 

Referências:

01 – Judo Formal Techiniques: A complete guide to Kodokan Randori no Kata – Tuttle Publishing  – Tadao Okati e Don F. Draeger.

02 – Kodokan Judo – Jigoro Kano – Kodansha.

03 – Origins of Judo – Allen Gordon – http://www.judoinfo.com/jhist3.htm.

 

Colaboração: www.impressione.wordpress.com

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Não é para todos… mas todos podem! – Por Charles Richet

03/06/2009

Seja grato mesmo diante de todos os sofrimentos, recuos e más pessoas. Lidar com tais obstáculos é uma parte essencial do treinamento da Arte da Paz“. Morihei Ueshiba – Fundador do Aikidô.

Escolher fazer algo, gozar dos benefícios e assumir com as cargas e responsabilidades é uma atitude coerente. Por exemplo: querer tomar sorvete sem a baixa temperatura do gelo é incoerente. Apaixonar-se sem querer se machucar é ilusão. Estar no mundo já é um processo com riscos, os riscos inerentes a existência humana. Treinar uma arte marcial não é diferente. As pessoas hoje não querem assumir riscos e responsabilidades, não querem plantar para colher, não querem se sujar, não querem esperar, não querem sentir dor… dor… dor faz parte do treinamento sério.

Há muita confusão em torno da afirmação “Arte da Paz”. “Arte da Paz” é algo complexo e simples, um paradoxo, porém essa afirmação pode ser entendida por todos aqueles que se entregarem ao afinco do treino e estudo sérios, tradicionais.

Escrevo esse relato para dar noção dos dois dias de treino que tive em São Paulo, dias 17 e 18 de março, com Leonardo Sodré Sensei. Leonardo Sensei, 3º Dan, é aluno de Ono Shihan, 7º Dan. Leonardo Sensei é destacado por ter em seu currículo cinco estágios no Hombu Dojo Aikikai de Tóquio, e mais estágios no Summer Camp de Nova York e na academia de Shibata Sensei em Berkeley. Ele treina e ensina Aikidô profissionalmente.

Fui a São Paulo pela amizade e pelo profissionalismo, “treinar com outro profissional”. Quatro horas de treino na terça e três horas na quarta, sendo uma delas uma aula particular em suwari waza por uma hora. Nestes treinos eu tive contato com muitas limitações físicas e técnicas, mas também pude ver o tanto que estou disposto a me entregar aos meus objetivos, os ônus e conseqüências de um treinamento sério. Acumulei ácido láctico como nunca havia feito em toda a minha vida. Porém é em momentos de exaustão física que muitas habilidades extras físicas ficam evidentes e se fazem necessárias. Mas todas essas técnicas só são internalizadas através do treino, mais treino e muito treino. Treinar, treinar e treinar.

As coisas verdadeiras, reais não são compradas, negociadas ou impostas. São reveladas, concluídas, intuídas, nascem da percepção interna. Em termos de Aikidô o treinamento é o caminho, não tem “cadeira do matrix” nem fórmula mágica. O treinamento em Budô/Aikidô serve a esses propósitos: desidentificação do ego, reconhecimento dos limites, expansão dos limites, cultivo de virtudes, autoconhecimento e burilamento do caráter. Não tem caminho fácil nem curto.

Treinar artes marciais é conviver com seu lado negro, conhecê-lo e a partir daí saber agir a partir do seu centro e não de seus instintos egóicos.  Para isso é preciso haver entrega, receber tanto o que é agradável como o não agradável. Mas claro: não estamos no Japão feudal, ninguém tem que cometer harakiri se desagradar seu mestre e nem aceitar os excessos dos instrutores. Hoje podemos escolher nossos mestres, e até mudar de mestre, porém devemos lembrar: o mundo exterior é em parte um reflexo do nosso ser interno e que para ser bom precisamos pagar um preço, o preço da entrega.

O treino sério em artes marciais não é para todos… mas todos podem praticar uma arte marcial.

Charles Richet – Fukushidoin, instrutor auxiliar, e faixa preta 2º grau, com ambas as certificações conferidas pelo Hombu Dojo Aikikai.

Colaboração: www.portalaikido.com.br


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